quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Notificar violência doméstica e sexual passa a ser obrigatório

Notificar violência doméstica e sexual passa a ser obrigatório

A partir de hoje, todas/os as/os profissionais de saúde e de estabelecimentos públicos de ensino estão obrigadas/os a notificar as secretarias municipais ou estaduais de Saúde sobre qualquer caso de violência doméstica ou sexual que atenderem ou identificarem.A obrigatoriedade consta da Portaria nº 104 do Ministério da Saúde, publicada hoje no Diário Oficial.

A Lista de Notificação Compulsória é composta por doenças, agravos e eventos selecionados de acordo com critérios de magnitude, potencial de disseminação, transcendência, vulnerabilidade, disponibilidade de medidas de controle e compromissos internacionais com programas de erradicação, entre outros fatores.

Antes das críticas cabe ressaltar que a privacidade das vítimas é preservada.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

“Direitos da Mulher” é uma recente publicação da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a partir da iniciativa da “Amazonaids Mulheres". Foi resultado de uma parceira entre ACNUR, UNAIDS, UNFPA, UNIFEM e OPAS/OMS e trata sobre questões das mulheres e várias situações de violência, fala ainda sobre direitos sexuais e reprodutivos, HIV/AIDS e DSTs.
O arquivo PDF da publicação está disponível em:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2011/Direitos_da_mulher_-_Prevencao_a_violencia_e_ao_HIV-AIDS.pdf

http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2011/Direitos_da_mulher_-_Prevencao_a_violencia_e_ao_HIV-AIDS.pdf

domingo, 9 de janeiro de 2011



Tem sexo o direito?

Eduardo Rabenhorst

Que o direito tem o sexo como um objeto de regulação, é uma evidência. Menos óbvio, talvez, é perceber que se antes o sexo era objeto de incidência jurídica o mais comumente nas esferas civil e penal, ele hoje se faz presente em quase todas as especialidades do direito. É que em uma sociedade com tal nível de juridificação, como é o caso da nossa, o caminho da cama ao tribunal é bem curto. Em matéria de sexo, tudo interessa ao direito, inclusive ao direito fiscal. Por outro lado, o sexo não é apenas um objeto de regulação, mas ele é também, na forma da pretensão à sua livre expressão, um direito no sentido “subjetivo” do termo. Nessa linha é que se desenham os chamados “direitos sexuais”, entendidos como direitos que protegem as decisões e escolhas que os indivíduos fazem sobre seus corpos, desejos e prazeres. Tais direitos estão consignados em diversos textos internacionais de proteção dos direitos humanos, sobretudo aqueles resultantes da IV Conferência Mundial da Mulher ocorrida em Pequim no ano de 1995 (Plataforma de Ação de Pequim).
A pergunta sobre o sexo do direito, entretanto, não concerne à regulação jurídica do sexo ou à expressão da sexualidade enquanto direito. O que se pretende com ela é saber se o direito poderia ser neutro em termos de sexo e gênero, enquete que também pode ser endereçada a outros campos do conhecimento que se apresentam como gerais e assexuados. Relembremos aqui a conhecida observação feita por Simone de Beauvoir de que as mulheres “não têm história”, exatamente porque esta foi tradicionalmente contada por historiadores homens, a partir de um suposto “sujeito universal”, porém visivelmente masculino. Foi, assim, contra a ideia de uma história “assexuada” que surgiram a “história das mulheres” e a historiografia feminista. A mesma “sexuação” pela qual passou a história foi experimentada pela geografia. De que maneira o sexo/gênero pode ser visto como fator que conforma a sociedade e o espaço? Quais seriam as implicações territoriais da divisão sexual? São questões colocadas pelas geógrafas feministas.
Na verdade, os chamados “estudos de mulheres” (Women Studies), proporcionaram nas últimas décadas uma verdadeira varredura dos discursos com pretensão de neutralidade diante do sexo, inclusive os da filosofia e da religião. Quem são os autores desses discursos, a quem eles são dirigidos, qual é a posição das mulheres dentro deles? São perguntas feitas nessa área de investigação. Tomemos aqui como exemplo a filosofia, tal como faz Wanda Tommasi. Por que as mulheres não figuram nos livros de história da filosofia na condição de filósofas, mas apenas enquanto mulheres? Por que a diferença entre os sexos não é considerada como uma autêntica questão filosófica?
Mas voltemos ao direito: pode ele ser avesso às questões de sexo/gênero? A resposta das autoras feministas é claramente não. Malgrado a tentativa de se fazer passar por um instrumento neutro, objetivo e assexuado, o direito parece já ter feito previamente uma opção pelos homens. Afinal, da mesma maneira como ocorreu em outros discursos, a categoria aparentemente neutra e assexuada de “ser humano”, também foi no campo jurídico um importante instrumento de negação da diversidade concreta e ferramenta indispensável de dominação, que confinou as mulheres (e os homens tratados como mulheres) dentro de esquemas genéricos convenientes ao próprio sistema. De fato, do ponto de vista histórico, quem era o humano da expressão “ser humano”? Nunca é demais lembrar o compromisso que a teoria liberal do direito manteve com o sistema escravocrata liberal. Também importa não esquecer que questionamento similar, formulado por Olympe de Gouges, acerca do significado dos termos “homem” e “cidadão” na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 24 de agosto 1789, terminou por lhe custar a própria vida.
Alguém poderia dizer que isso é coisa do passado, e que se outrora o direito foi sexista, hoje, ao menos numa determinada zona geográfica do mundo, ele seria assexuado. Mas as coisas não são tão simples assim. Como observa Alda Facio, um conceito amplo de direito compreende, além do componente formal/normativo, os componentes institucional/estrutural e político/cultural. Logo, é preciso saber se em todos estes planos o direito é efetivamente neutro ou cego em relação ao sexo/gênero. Afinal, mesmo que muitas normas discriminatórias em relação às mulheres e às pessoas com sexualidades divergentes tenham sido removidas de boa parte dos sistemas jurídicos atuais (no caso do ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, isso aconteceu muito recentemente, sobretudo com a entrada em vigor do Código Civil de 2002), faz-se necessário verificar se o sexismo não teria se deslocado para o âmbito dos processos de interpretação e aplicação do direito.
Enfim, tem sexo o direito? Não, diriam algumas autoras feministas, às vezes, acrescentariam outras, sempre, concluiriam outras tantas. 
Para Judith Butler, mais do que possuir um sexo, o direito parece ser um dos seus principais instrumentos de constituição. Afinal, o poder regulatório exercido pelo direito (pelas normas de um modo geral) não atua apenas sobre um sujeito preexistente, mas ele, ao mesmo tempo em que regula, também constrói o sujeito, de tal sorte que “estar assujeitado a uma regulação é também ser subjetivado por ela”. Na verdade, diz a filósofa norte-americana, é a própria lei que produz (e posteriormente exclui) a noção de um sujeito que lhe é anterior. Seguindo essa linha de raciocínio, o sexo/gênero (gender), para Butler, não é um elemento pré-jurídico, mas é a culminação, na “forma jurídica”, da maneira como pensamos a complexa relação entre elementos genéticos, celulares, hormonais e anatômicos. Sexo/gênero não é anatomia ou destino, mas é algo que se constitui enquanto prática através de normas que ao mesmo tempo lhe dão inteligibilidade. Tais normas são similares àquelas que conferem o atributo de “humanos” a determinados sujeitos, de tal sorte que estar em conformidade com elas é também “ser legível” (isto é, ser inteligível) enquanto ser humano, e daí poder se beneficiar dos direitos decorrentes dessa condição. 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Repassando informação enviada pelo colega Gustavo Rabay:


Convocatória para publicações na Revista Punto Género
Aberta a segunda convocatória para o envio de trabalhos para a Revista Punto Género, do Núcleo de Investigação em Género e Sociedade Julieta Kirkwood, do Departamento de Sociologia da Universidade do Chile. A proposta é examinar o desenvolvimento da temática de genero nas ciências sociais, para a sociedade chilena e latino americana. O prazo para o recebimento dos trabalhos é até 01/04/2011. Para mais informações: http://www.facebook.com/nucleo.julieta;http://nucleogenerosociologia.blogspot.com;
puntogenero@facso.clCartaz anexo.

sábado, 1 de janeiro de 2011

A TV Globo aprenderá a dizer PresidentA? ou A suavidade da violência simbólica


A TV Globo aprenderá a dizer PresidentA? Conseguimos o principal, ter uma mulher no cargo mais alto do poder executivo, no entanto, aquilo que seria o mais acessório e aparentemente sem importância, parece que não conseguiremos: que o substantivo presidente seja devidamente flexionado e que lhe seja adicionado um “A”, indicativo substancial do “gênero” ao qual a PresidentA faz jus.

A discussão na realidade não é tão boba ou superficial quanto parece, ou como forçosamente quer fazer parecer a rede Globo, ao mostrar que a Dilma, como um capricho a mais, deseja ser chamada de Presidenta. Enquanto isso, na mesma matéria jornalística apresentada hoje por essa emissora, figura uma grande faixa ao fundo, cujo objetivo é informar o telespectador sobre a posse da PresidentE. Em outras palavras, esse pequeno desejo, não será contemplado pela emissora. Ora, de longe se percebe que há qualquer coisa desencaixada, qualquer coisa que poderia ter sido mais bem explicada.

Por que a rede Globo teima em chamar a Presidenta de Presidente? Ao nosso socorro, muitas feministas já calejadas nos tortuosos caminhos da ordem patriarcalista estão aí para nos mostrar que a discussão é muito mais complicada do que possa parecer.

Será então que não estaríamos diante de um exemplo da incrível influência dos binômios estruturantes de uma sociedade patriarcalista dos quais nos fala Frances Olsen (2000, p.25)? Para essa autora, a nossa percepção de mundo, desde o surgimento do pensamento liberal clássico, se organiza através de pares opostos: racional/irracional, ativo/passivo, razão/emoção, pensamento/sentimento, universal/particular etc. E é também a partir de tais binômios que se constrói a simbologia existente por trás daquilo que se entende por feminino e daquilo que se entende por masculino. Os binômios estariam assim sexualizados. Alguns deles identificam-se com as mulheres, e outros com os homens.

É curioso observar como sutilmente a parte considerada superior do binômio vem associada ao masculino e vice-versa. A Globo, e sempre ela, ao passo que nega o “A” da Presidenta, insiste em matérias que associam a figura da mulher às preocupações com a beleza, com roupas adequada à ocasião, com o tempo e dinheiro que necessariamente devem ser despendidos com o trabalho de apresentação ao público. Não é a toa que a consultora de moda entrevistada pela Globo – pasmem, a Globo entrevistou uma consultora de moda, coisa praticamente impensável se no lugar da Dilma estivesse um homem – sugeriu à Presidenta eleita – que, claro, não teve o prazer de ser chamada presidenta – que usasse em sua posse um vestido, pois ressaltaria melhor sua “feminilidade”.

E que espécie de feminilidade é essa que ora é imposta, ora é negada? A afirmação de sua condição de mulher ao querer ser chamada de Presidenta é vista como um absurdo, ou um simples capricho, e por isso sistematicamente deslegitimada. (E que não se venha dizer que é um erro gramatical, posto que já tenha sido mais que provado que presidente é um substantivo comum de dois gêneros). Em contraposição, a condição feminina deve ser ressaltada através de roupas que, se não erotizam o corpo, o tornam ao menos mais condizente com as características inconscientemente atribuídas às mulheres: a fragilidade, a submissão, a incapacidade de dar ordens, e todos os lados mais frágeis dos binômios. Se há razão e sentimento, e há homens e mulheres, pensemos os homens ao lado da razão e as mulheres ao lado dos sentimentos. Se ser PresidentA implica em lidar com poder, neguemos o “A”. Se aparecer com um lindo vestido vermelho no dia da posse é um indicativo das preocupações que todas as mulheres devem ter com a beleza e cuidado dos seus corpos, imponhamos então que a Dilma apareça vestida com um deslumbrante vestido vermelho.

Em que pés andam o mundo? O que até agora aprendemos?

Bourdieu já nos tinha alertado para a suavidade da violência simbólica, que se perpetua em virtude da existência de um modo de pensar baseado na dominação masculina, profundamente incrustado no inconsciente das pessoas. É esse “inconsciente adrocêntrico”, que se materializa no fato da diferença sexual se apresentar aos nossos olhos como algo que parece estar “na ordem das coisas” (BOURDIEU, 2009, p.17), que faz com que nos questionemos cada vez menos e ratifiquemos aquela que parece ser a maneira mais natural de pensar o mundo. Nas palavras de Bourdieu,

"(...) ser “feminina” é essencialmente evitar todas as propriedades e práticas que podem funcionar como sinais de virilidades; e dizer de uma mulher de poder que ela é “muito feminina” não é mais que um modo particularmente sutil de negar-lhe qualquer direito a esse atributo caracteristicamente masculino que é o poder" (BOURDIEU, 2009, p.118)

Não é de hoje que a suposta “ausência de feminilidade” da Presidenta Dilma incomoda a grande mídia. De fato, de que maneira tal feminilidade poderia influenciar nos rumos da democracia ou da própria governabilidade do país? Para que a Presidenta deveria usar um vestido em sua posse? Ou talvez, a pergunta correta seja “para quem”. Por outro lado, por que não Presidenta? Não estamos nós retratando a realidade e ressaltando a própria historicidade desse momento, ao lembrarmos que pela primeira vez temos uma mulher ocupando a função de Presidenta da Nação? Ou devemos, como bem ressalta Pilar del Rio, continuar dizendo “eles” caso queiramos nos referir a uma mulher e um cão, como se o gênero do cão tivesse prioridade sobre o gênero da mulher?

Queiram me perdoar os ferrenhos adeptos da rigidez das normas gramaticais, mas, nesse caso, se não quisermos aceitar que a língua continue a serviço de uma sociedade patriarcal, devemos colocar os pontos nos is: a Dilma é PresindentA, porque ela é mulher, e assim ela foi eleita.

E neste sentido, sejamos como Pilar, que não aceita que determinadas verdades sejam encobertas ou propositalmente atenuadas:

"Só os ignorantes é que me chamam presidente. A palavra não existia porque não havia a função, agora que existe a função há a palavra que denomina a função. As línguas estão aí para mostrar a realidade e não para a esconder de acordo com a ideologia dominante, como aconteceu até agora. Presidenta, porque sou mulher e sou presidenta".


BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.

OLSEN, Frances. El sexo del derecho in RUIZ, Alicia. La identidad femenina y el discurso Del derecho. Buenos Aires: Biblos, 2000.

Del Rio, Pilar. Entrevista publicada no Diário de Notícias de Portugal, 2008. Disponível em: http://fundjosesaramago.blogspot.com/2008/07/foi-o-livro-memorial-do-convento-que.html

Publicado por: Raquel Camargo