sexta-feira, 29 de abril de 2011

sobre Évelyne Rey, atriz francesa.




Não podia deixar de compartilhar isso. Acabo de ler um artigo na Piauí, nº 55, escrito por Lanzman, cujo título é: Simone de Beauvoir e Sartre. Achei ótimo, mas não pelo que revela acerca da já conhecida relação entre Beauvoir, Lanzmann e Sartre, mas por aquilo que mostra a respeito de Évelyne Rey. (confesso, de todo modo, no que concerne à Beauvoir, que acho um exercício muito interessante o de esquandrinhar a vida de autoras cujas obras estamos acostumados a ler). Não me prolongarei, pois não tenho informações suficientes para saber o que pensar sobre o que li. Mas fiquei bastante curiosa para saber um pouco mais sobre essa personagem que, de forma trágica, acabou por sucumbir em meio a toda essa trama, de amores e canalhices.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Trabalho doméstico



Como hoje é dia da empregada doméstica resolvi postar algo sobre o assunto. Este tema me interessa bastante porque na minha pesquisa sobre prostituição percebi que várias mulheres costuma exercer concomitante ou alternadamente as duas atividades, em uma nítida intersecção entre gênero, sexualidade, classe e raça, mas hoje vou falar apenas sobre trabalho doméstico.

O trabalho doméstico não remunerado e o trabalho executado por empregadas domésticas são tidos como distintos, mas no fundo não o são. O trabalho executado é o mesmo, são atividades tipicamente exercidas por mulheres e não são valorizadas socialmente. O trabalho doméstico é invisível, é considerado sem valor, sendo o espaço doméstico um espaço de anonimato, um não lugar.

A desvalorização do trabalho doméstico (remunerado ou não) existe por ser uma atividade tipicamente feminina, como se fosse parte da natureza feminina, entretanto sabemos que essa habilidade de “cuidar” foi construída socialmente. Danda Prado, em seu livro Ser esposa a mais antiga profissão afirma que

A aprendizagem das responsabilidades domésticas começa desde o nascimento da mulher. Essa aprendizagem continua através de toda sua vida. Não pára nunca, nem com o casamento. Em cada parto, o recém-chegado traz consigo novas solicitações ligadas a necessidades diferentes e cada marido chega ao casamento trazendo também solicitações de sua profissão, do seu status social e as responsabilidades que representa. Existe ainda uma hierarquia variável nas tarefas de uma esposa, segundo os costumes de cada grupo social e o momento histórico vivido. (PRADO, 1979, p.121-122)

Hoje as mulheres estão também no espaço público, mas as relações de gênero no espaço privado pouco se modificaram, fazendo que para as mulheres estejam no espaço público necessitem do auxilio de outras mulheres no espaço privado, seja sogras, mães, irmãs e em especial de empregadas domésticas. Na América Latina, o trabalho doméstico é a principal ocupação das mulheres e sua discriminação é conseqüência da discriminação de gênero.

[...] o trabalho doméstico é uma atividade que, ao contrário, de outras, tem legitimidade social, dado que não implica a transgressão de nenhuma norma cultural. Cuidar é coisa de mulheres e servir é assunto de mulher pobre. Por conseguinte, o cuidado e o serviço constituem o espaço de trabalho habitual para a população feminina da Região da América Latina e do Caribe. A discriminação contra as empregadas domésticas é causa e resultado da discriminação contra as mulheres. (CEPAL, p. 71)

No Brasil esta discriminação é legitimada pelo direito. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) criada com o intuito de proteger as trabalhadoras e trabalhadores não regulamentava a situação das (os) empregadas (os) domésticas (os) tendo em vista o caráter não econômico e familiar deste serviço. A Constituição Federal de 1988 estabelece um tratamento diferenciado as (os) empregadas (os) domésticas (os) não lhes estendendo todos os direitos trabalhistas. Isto não surpreende, pois quando o direito protege os interesses das mulheres, o faz através do ponto de vista masculino e sua aplicação por meio de instituições e indivíduos imbuídos por uma ideologia androcêntrica que acabam por reforçar os estereótipos femininos.

Já afirmamos que o gênero é construído socialmente. O direito também participa da construção de identidades de gênero, na medida em que ele nega, assegura, outorga e define papéis, agindo na maioria das vezes, como um naturalizador das relações sociais. Neste sentido, o direito é um importante discurso social que reforça a idéia enraizada em nossa cultura da divisão sexual (masculino/feminino). Como lembra Alicia Ruiz (2000, p. 14),

El derecho interfiere em nuestras vidas cuando promete, otorga, reconoce o niega. Cuando crea expectativas y cuando provoca frustaciones. Las calidades de mujer y hombre, de padre de família, cóyuge, de hijo, de niño y adulto, de capaz o incapaz, de delincuente y de víctima, de culpable y de inocente, están siempre jurídicamente estatuídas,. Y el discurso jurídico es complejo, opaco, paradójico, enunciado por actores diversos, cada uno de los cuales agrega, modifica, eleimina sentidos. Las subjetividades e identidades sociales e individuales son, entonces, y al menos parcialmente, instituídas por esto discurso conformado por muchas vocês, que no dejan de hacerse oir y que pugman por ganar otros lugares o por preservar los que tienen alcanzados.

Na categoria empregada (o) doméstica (o) percebemos nitidamente a intersecção gênero, classe e raça. Estas variáveis estruturais de desigualdade acentuam a exclusão social desta categoria. Não podemos desconsiderar herança escravocrata brasileira. Mulheres negras – seqüestradas da África – além das atividades nas lavouras também eram utilizadas nos serviços domésticos das casas grandes. Essa herança é nítida na divisão sexual - e também racial - do trabalho no Brasil dos dias de hoje.

(...) o patriarcado, que subjuga as mulheres ao domínio dos homens e que somado ao escravismo configuram uma relação especifica, não digna de trabalho – o trabalho doméstico. (Dultra e Mori, 2008, p. 12)

Mulheres negras possuem demandas específicas que não conseguem ser tratada pelo manto das questões de gênero se este não levar em consideração as especificidades dessas mulheres. O fator racial produziu gêneros subalternizados. A consciência de uma identidade de gênero não acarretou uma solidariedade racial “intragênero”. As mulheres negras enfrentaram desigualdades e discriminação de mulheres brancas. Lélia Gonzalez diz que

de um lado, o viés eurocentrista do feminismo brasileiro, ao omitir a centralidade da questão de raça nas hierarquias de gênero presentes na sociedade, e ao universalizar os valores de uma cultura particular (a ocidental) para o conjunto das mulheres, sem as mediações que os processos de dominação, violência e exploração que estão na base da interação entre brancos e não-brancos, constitui-se em mais um eixo articulador do mito da democracia racial e do ideal de branqueamento. Por outro lado, também revela um distanciamento da realidade vivida pela mulher negra ao negar toda uma história feita de resistências e de lutas, em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral – que nada tem a ver com o eurocentrismo desse tipo de feminismo. (GONZALES apud CARNEIRO, 2003, p. 4)

Por outro lado, as mulheres também tiveram que exigir que as questões de gênero se instituíssem como elemento estruturante das desigualdades raciais. (CARNEIRO, 2003)

Em suma o trabalho doméstico é invisível, desvalorizado e pouco regulamentado. Este trabalho é exercido majoritariamente por mulheres negras. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho no Brasil,

Em 2008, as trabalhadoras domésticas representavam 15,8% do total da ocupação feminina no Brasil correspondendo, em termos numéricos, a 6,2 milhões de mulheres, em sua maioria negras. Entre as mulheres negras ocupadas 20,1% estão no trabalho doméstico. Apesar de empregar um número significativo de mulheres, o trabalho doméstico é caracterizado pela precariedade: no mesmo ano, somente 26,8% do total de trabalhadores/as domésticos/as tinham carteira de trabalho assinada, e entre as trabalhadoras domésticas negras, este percentual é ainda menor: 24%. (OIT, 2010, p. 3)

Além do gênero e da raça, o fator escolaridade é determinante na reprodução do padrão do cuidado. Segundo a CEPAL de 2005, 56% das mulheres que trabalham no serviço doméstico remunerado não concluíram a educação primaria e 50% das mulheres que das trabalhadoras domésticas não remuneradas possuem até 06 anos de estudo. Tenta-se se explicar essa relação entre baixa escolaridade e trabalho domestico pela desnecessidade qualificação para essa atividade, mas as mulheres são qualificadas para o serviço de cuidado desde a infância pelo processo de socialização de gênero. A situação é gritante nas zonas rurais, pois as trabalhadoras domésticas remuneradas ou não “apresentam taxas de analfabetismo mais altas que o resto da população feminina”. (CEPAL, 2010, p. 77)

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 117-133, set./dez. 2003. Disponível em: . Acesso em: 01 jun. 2009.

CEPAL. “Que tipo de Estado? Que tipo de igualdade?”: Trabalho não remunerado da mulher impede sua plena igualdade. Disponível em: http://www.sepm.gov.br/noticias/ultimas_noticias/trabalho-nao-remunerado-da-mulher-impede-sua-plena-igualda....pdf. Acesso: 15 dez 2010.

CEPAL. A contribuição das mulheres para a igualdade na América Latina e no Caribe: X Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe. Quito, 2007.

DUTRA, Eneida Vinhaes; MORI, Natalia (Org.). Trabalhadoras domésticas em luta: direitos, garantias e reconhecimento. Brasília: CFEMEA, 2008.

OIT. A abordagem da OIT sobre a promoção da igualdade de oportunidades e tratamento no mundo do trabalho. Disponível: http://www.oit.org.br/topic/gender/doc/08_marco_2010_texto_139.pdf. Acesso: 01 dez 2010.

PRADO, Danda. Ser esposa: a mais antiga profissão. São Paulo: Brasiliense, 1979.

RUIZ, Alicia (comp.). Identidade feminina y discurso jurídico. Buenos Aires: Biblos, 2000.

domingo, 17 de abril de 2011

Imagens - curso O sexo do direito: Uma introdução às críticas feministas das teorias e práticas do direito




França irá multar mulheres que usam burca

Entrou em vigor na França lei que proíbe o uso em locais públicos da burca ou do niqab, prevendo multa de 150 euros para aquelas mulheres que infringirem a norma.

As declaradas intenções dos legisladores variam desde a segurança da cultura e identidade local, ameaçadas pelo crescimento de imigrantes e pelas altas taxas de natalidade verificadas entre os mulçumanos residentes no país, até a proteção dos direitos das mulheres, oprimidas por uma religião que institui a obrigatoriedade dessas vestes.

Não obstante, é preciso ponderar se a lei, que prentende proteger, não está na verdade afrontando liberdades individuais caras aos Estados de Direito, dentre elas a própria liberdade religiosa, e descaracterizando o que mais os diferenciava de regimes totalitários.

As preocupações nascentes de um multiculturalismo que aparentemente não conseguiu deslanchar na Europa são válidas, mas quais os melhores meios para se garantir a preservação dos direitos humanos e fundamentais? Leis que realizam escolhas pelas pessoas, inclusive no tocante à religião e ao modo de vestir, ou leis que dêem possibilidade de escolher pelas pessoas, como amparo estatal para que uma mulher muçulmana possa decidir livremente não utilizar a burca e denunciar aqueles que a obriguem a tanto?

Pelo que pode ser apurado até agora, a lei em comento não causou muitas manifestações contrárias1. Mas algumas delas, dada a criatividade, levam à reflexão, como o vídeo feito por duas estudantes universitárias francesas que sairam às ruas trajando um niqab remodelado, que deixa as pernas a mostra2.

1 http://www.dailymail.co.uk/news/article-1375781/Burka-ban-New-French-law-forbids-Islamic-women-wearing-face-veils-public-real-protest-London.html

2 Para ter acesso ao vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=2-SvxEYLFTM; manifesto esclarecendo o posicionamento das estudantes: http://niqabitch.tumblr.com/; perfil no twitter: @NiqaBitch